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O descontrole das apostas online tem gerado um aumento significativo de vícios e problemas de saúde mental, afetando diretamente a produtividade e as relações no ambiente de trabalho

Por Lucas Costa

A compulsão pelas apostas afeta negativamente o ambiente de trabalho e a relação entre empregadores e funcionários. Foto: Midjourney

As apostas, conhecidas como "bets", têm se tornado um fenômeno crescente no Brasil. Com isso, muitos apostadores estão perdendo dinheiro, e é cada vez mais comum trabalhadores recorrerem a empréstimos para pagar dívidas e contas básicas.

Todos buscam contar com a sorte, e apostar não é um problema em si. Na tentativa de ganhar dinheiro de forma rápida, as pessoas recorrem a apostas em bolões, loterias e jogos de azar. Contudo, quando o ato de apostar sai do controle e começa a prejudicar a vida da pessoa, ela desenvolve uma doença chamada ludopatia.

Reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a ludopatia é caracterizada pelo transtorno da pessoa que joga compulsivamente. Essas apostas levam à hiperestimulação e, como consequência, ao cansaço, estresse e perda de produtividade.

Os jogos de apostas podem ativar no cérebro mecanismos de recompensa parecidos com vícios químicos. Assim, a ludopatia gera um estado de dependência, levando o indivíduo a crer que a solução para os problemas gerados pelas apostas pode ser resolvida com mais apostas.

As bets no Brasil

Desde 2018, quando foram liberadas pelo governo federal, as casas de apostas têm ganhado cada vez mais visibilidade por meio de patrocínios exorbitantes nos esportes e uma presença crescente nas redes sociais por meio de propagandas apelativas.

Segundo o Datafolha, mais de 32 milhões de brasileiros dizem apostar ou já terem feito alguma aposta. O estudo aponta também que há grande capilaridade social e geográfica dessas apostas; pessoas de todas as classes e locais têm colocado parte de sua renda em apostas incertas.

Contudo, em uma pesquisada realizada pelo SBVC; AGP Pesquisas - publicado no jornal Folha de São Paulo - o fenômeno é mais comum entre jovens e homens, gerando mais prejuízos para pessoas de baixa renda, com impacto de 62% nas classes C e D/E juntas.

Entre os jovens de 16 a 24 anos, quase um terço (30%) já apostou, sendo que 21% são homens e 9% são mulheres. O brasileiro gasta, em média, R$263 por mês em sites de apostas. A princípio, esses números não revelam a profundidade do problema; milhares de pessoas têm se endividado e se encontram em estado de vício devido aos jogos de azar.

As casas de apostas prometem grandes recompensas, e quanto maior o risco, mais alto é o valor retornado. Por isso, a lógica de tentar recuperar o dinheiro perdido fazendo uma nova aposta de maior risco é incentivada nessas plataformas.

Esse ciclo de apostas, perdas e ganhos leva o indivíduo a uma jornada de obsessão, na qual cada vez mais são exigidos dinheiro, preocupação e saúde mental, resultando em muitos casos em um estado de vício.

Desde julho de 2023, a legislação brasileira passou a tributar as apostas esportivas e estabeleceu regras claras para a exploração desses serviços. De acordo com a nova lei, as empresas de apostas online estão sujeitas a uma tributação de 18% sobre a receita bruta, além de serem obrigadas a obter autorização do governo para operar no país.

Essa medida visa aumentar a arrecadação de impostos e coibir práticas abusivas, trazendo mais segurança jurídica e transparência ao setor.

As regulamentações incluem ainda a proibição de anúncios que possam induzir ao erro ou apelar para o público infantil, além de impor limites claros para a publicidade dessas plataformas. A expectativa é que essas novas regras ajudem a mitigar os impactos negativos das apostas na vida dos trabalhadores, promovendo um ambiente mais responsável e controlado para os jogos de azar.

O efeito no empreendedorismo

Cada vez mais, empresários têm notado queda na produtividade e relatado dificuldades com seus funcionários, que têm pedido adiantamentos e vales. Esse movimento foi observado por Paulo Ricardo, dono de uma lanchonete em Natal (RN), que percebeu que o hábito de apostar durante o expediente reduziu o rendimento de seus empregados.

"No momento do intervalo, todos ficam jogando. Vejo que isso tem feito cair o rendimento deles. Passam a madrugada jogando, perdem dinheiro, ficam adiantando vale. É um pouco disso que está acontecendo", comenta o empresário. Esse comportamento leva a um ciclo de vício que afeta não apenas o empregado, mas também toda a operação da empresa.

"Um motoboy, por exemplo, trabalha, mas quando faz 50 reais, ele pega e vai embora", explica o empresário, dizendo como a produtividade tem sido afetada pelas apostas. Com isso, a relação entre empregador e empregado se desgasta, pois as apostas acabam afetando diretamente o desempenho profissional.

Efeitos psicológicos e emocionais das apostas

Do ponto de vista político-social, as apostas esportivas aumentam as desigualdades sociais e econômicas existentes. As pessoas de baixa renda são as mais vulneráveis ao apelo das apostas como uma promessa ilusória de prosperidade rápida.

Esse ciclo de exploração é agravado pela falta de regulamentação rigorosa e pela promoção agressiva das apostas, que transformam o desespero econômico em um negócio lucrativo.

As consequências emocionais são devastadoras: o estresse crônico e a ansiedade resultantes das perdas financeiras contínuas corroem a saúde mental do indivíduo.

O ato de jogar repetidamente pode ser visto como uma tentativa inconsciente de encontrar significado e preencher um vazio existencial, onde o indivíduo busca incessantemente uma sensação de controle e êxito que parece sempre escapar.

Os efeitos econômicos da ludopatia são profundos e abrangentes, refletindo um problema social significativo que afeta não apenas os indivíduos, mas também suas famílias e comunidades.

A compulsão por apostas leva muitos trabalhadores a endividamentos severos, utilizando suas rendas em jogos de azar em vez de atender às necessidades básicas. A redução da produtividade e o aumento do absenteísmo são reflexos diretos da ludopatia no ambiente de trabalho, afetando a lucratividade e a sustentabilidade das empresas.

Além disso, as pessoas afetadas por esse vício frequentemente necessitam de tratamento psicológico e médico, muitas vezes financiado por recursos públicos.

Isso demonstra como a ludopatia transcende o nível individual, tornando-se uma questão de interesse público que exige políticas eficazes de prevenção e tratamento para proteger os mais vulneráveis e reduzir os danos sociais e econômicos causados por esse comportamento compulsivo.

Trajetória de obsessão

Os mecanismos dos jogos de azar, dos quais as apostas esportivas fazem parte, são estruturados para fazer o apostador entrar em uma trilha de compulsão. As pessoas tornam-se cada vez mais dependentes dos jogos, e as consequências sociais são várias.

Entre elas, a perda de produtividade e o estado de exaustão. Em casos extremos, como aconteceu com Marco Antônio, proprietário de uma pizzaria em Natal (RN), uma de suas funcionárias chegou a roubar seu empreendimento por causa do vício.

"Era uma funcionária que batalhava pela empresa, fazia o que era preciso. Nos últimos tempos, com o surgimento do Tigrinho [um aplicativo de apostas], ela começou a jogar e a pedir vales. Chegou ao ponto de receber menos da metade do que deveria no mês. Às vezes, pedia duas, três vezes por semana", relata o empresário.

"Em maio, concedi férias a ela e instalei uma câmera escondida que pegava o PDV (Ponto de Venda). No retorno dela, a primeira venda foi fraudulenta. Ela simulou o registro da venda e colocou o dinheiro no bolso. Então, eu perguntei a ela sobre o salário, e ela disse que era para o Tigrinho. Assim, eu a demiti por justa causa", compartilhou Marco Antônio.

Esses exemplos destacam a gravidade do problema e os efeitos profundos que as apostas podem ter na vida pessoal e profissional das pessoas. A compulsão pelas apostas afeta negativamente o ambiente de trabalho e a relação entre empregadores e funcionários.

Prevenção e intervenção no local de trabalho

Situações como as relatadas por Paulo Ricardo e Marco Antônio fazem parte da rotina dos empresários atualmente. Saber lidar com esse cenário exige atenção e seriedade. Por isso, é fundamental que haja uma aproximação entre empregador e empregado.

O olhar atento do empreendedor é essencial para perceber tendências de comportamento e agir preventivamente para que seus funcionários não percam o foco e a produtividade. Foi assim que Lula Fylho, empreendedor na Casa de Juja, Ateliê Gastronômico em São Luís (MA), agiu antes que a ludopatia se tornasse um problema em sua empresa.

O empresário percebeu que alguns funcionários passavam muito tempo do expediente apostando no celular, alguns até passavam a noite e chegavam cansados e pouco produtivos ao trabalho. Para evitar perder esses funcionários para o vício, ele decidiu acionar a psicóloga da empresa antes de começar a ceder vales e adiantamentos.

A solução foi uma roda de conversas com a psicóloga para realizar uma intervenção pontual, discutindo saúde mental, financeira e outras consequências que apostas indiscriminadas podem gerar para o indivíduo e para a empresa. Depois disso, ele não teve mais problemas com seus funcionários.

Ações como as de Lula Fylho são bons exemplos na gestão de pessoas, pois ao perceber que seus funcionários podiam se perder na obsessão das apostas, ele tomou medidas preventivas. Atitudes pontuais são boas formas de interferência que ajudam a manter o ambiente de trabalho saudável e produtivo.

*Texto adaptado da edição 158 da revista Bares&Restaurantes

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