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Enquanto pesquisa mostra que metade dos brasileiros quer diminuir o consumo de carne, bares e restaurantes correm para inovar com pratos à base de plantas e abocanhar uma fatia cada vez mais crescente de público: os flexitarianos

Por Danilo Viegas

Quando em junho anunciou que se tornaria um menu 100% de comida vegana, o renomado restaurante Eleven Madison Park (três estrelas Michelin), em Nova York, causou alvoroço no universo gastronômico. Hoje possui mais de 15 mil mesas na lista de espera.

"É hora de redefinir o luxo como uma experiência que serve a um propósito maior e mantém uma conexão genuína com a comunidade", escreveu o chef Daniel Humm num blog, quando anunciou a versão plant-based (à base de plantas) da sua cozinha. O desafio foi substituir produtos de origem animal por pratos com vegetais, frutas, legumes, fungos, grãos e muito mais para criar com "o mesmo nível de sabor" de antes, afinal comida boa é comida boa, independente se traz carne ou não.

Mudança de hábitos alimentares nas novas gerações

Se engana quem acha que é preciso ser um premiado restaurante na maior metrópole do mundo para ter uma demanda de consumidores ao optar por cardápios veganos ou vegetarianos.

Uma pesquisa realizada no fim de 2020 pelo Ibope e coordenada pelo The Good Food Institute (GFI) aponta que 50% dos brasileiros afirmaram ter reduzido o consumo de proteína animal - em 12 meses em 2018, eram 29%.

Entre as mulheres, o índice vai a 54%; os mais jovens representam 52% dos entrevistados. O número reforça que essa mudança de comportamento vem ainda mais forte com as novas gerações.

A transformação da cultura alimentar estimula não apenas o público final, mas também empresas que buscam oferecer cardápios mais inclusivos, com opções diversificadas, que atendam o novo consumidor e que impactem menos o meio ambiente.

É o que pensa Julia Seibel, gerente do Programa EscolhaVeg, desenvolvido pela organização internacional Mercy For Animals. Criado há cerca de um ano, o programa oferece consultoria gratuita em todas as etapas do processo.

O projeto vai desde a consultoria de cardápio, mapeamento e seleção de fornecedores, produção de materiais educativos, até treinamento para bares e restaurantes sobre o mercado plant-based, além de apoio na divulgação das ações para o público final.

“As empresas perceberam a exigência do consumidor e vêm respondendo a essa nova demanda, oferecendo cada vez mais alternativas à proteína animal", diz Júlia. E não é por menos. Segundo uma pesquisa de 2018 do Ibope e da Sociedade Vegetariana Brasileira, 14% da população brasileira se declara vegetariana, quase o dobro em relação a 2012.

O Ibope também afirma que 55% dos brasileiros consumiriam mais produtos veganos se estivesse indicado na embalagem ou se tivessem o mesmo preço dos produtos que estão acostumados a consumir.

Foi pensando nessa mudança de hábitos alimentares que a rede de pizzarias Ciao, com unidades em Porto Alegre e São Paulo, decidiu diversificar seu cardápio. Desde janeiro as lojas contam a parceria do programa Escolha Veg por meios de consultoria. Mesmo em pouco tempo o resultado é bastante satisfatório. Hoje os produtos sem origem animal representam 9% do faturamento das casas e a tendência é só crescer.

Parte do sucesso da Ciao hoje se deve às pizzas vegetarianas e veganas, com destaque para a Marinara, uma pizza clássica de Nápoles, que leva apenas molho de tomate, alho, orégano e azeite de oliva. Foto: Nani Rodrigues

Para se ter uma ideia do sucesso, no dia 20 de março, quando é comemorado o dia mundial sem carne, todos os produtos veganos da casa tiveram 20% de desconto. Junto aos pedidos, um flyer foi entregue aos clientes mostrando o impacto que as pessoas deixam na natureza ao deixarem de consumir produtos de origem animal apenas um dia por semana. O resultado? Um aumento de 70% no faturamento durante a ação.

“Já tínhamos opções de pizzas sem carne, mas havia o desejo de expandir esse mercado. Não é só uma questão de dinheiro, já que os insumos para esses produtos são relativamente mais caros. Queremos ofertar aos nossos clientes um valor que misture sabor e saudabilidade ligados à questão ambiental”, conta Patrícia Kras, gerente da rede, que também diz que mesmo os produtos que levam carne são “cagefree”, quando o animal não é criado em cativeiro por toda sua vida.

Parte do sucesso da Ciao hoje se deve às pizzas vegetarianas e veganas, com destaque para a Marinara, uma pizza clássica de Nápoles, que leva apenas molho de tomate, alho, orégano e azeite de oliva. Além da Marinara, entraram pizzas pensadas para o público que pretende optar por um sabor sem ingredientes de origem animal que são: Saporita, Regina Vegana (uma releitura da tradicional Margherita, mas com mozzarela vegana) e a Vegan Power.

Desafios do mercado e o famigerado “poder de veto”

A lógica do mercado é clara: se os insumos disponibilizados pelos fornecedores não têm uma demanda de consumo ainda tão grande quanto às matérias-primas convencionais, a tendência é a elevação do preço, que acaba sendo repassado ao consumidor final. Trocando em miúdos, se uma pizza com queijo vegano “sai menos” que a que leva um queijo tradicional, o preço é maior, o que pode ajudar a inibir o consumo.

Ainda sim, ao fazer uso de insumos já existentes no cardápio e priorizando os sazonais, sempre que possível, é possível baratear os custos do menu veggie. O desafio então é evoluir esse ecossistema para que cada vez mais pessoas sintam-se atraídas por produtos sem origem animal, a demanda aumente e consequentemente o preço seja mais democratizado.

De acordo ainda com o The Good Food Institute, em 2020 metade dos brasileiros afirmaram que estão diminuindo o consumo de carne. Talvez por isso o mercado hoje mira não só os vegetarianos e veganos, mas também os chamados flexitarianos, um nicho nem tão “nichado” assim.

O termo flexitariano traduz um novo pensamento de consumo alimentar, que vem ganhando cada vez mais adeptos em todo o mundo. Embora o nome soe um pouco estranho, os flexitarianos seguem uma dieta simples: nem totalmente vegana ou vegetariana, nem puramente carnívora ou focada em produtos de origem animal.

Desafio do preço: uma pesquisa do Ibope afirma que 55% dos brasileiros consumiriam mais produtos veganos se tivessem o mesmo preço dos produtos que estão acostumados a consumir

A dieta flex busca o equilíbrio. Enquanto os que adotam o modelo plant based eliminam ingredientes como leite, carne e ovos, os flexitarianos seguem uma alimentação basicamente vegetariana, mas eventualmente consomem carne. Um dos pontos positivos é que o cardápio pode ser customizado. Há quem coma carne apenas uma vez por semana, há quem opte por duas ou três refeições com alimentos de origem animal.

Fato é que o empresário do setor de alimentação fora do lar não deve se preocupar em atender bem apenas os vegetarianos, veganos ou flexitarianos, mas também aqueles ao seu redor. Isso se deve ao “poder de veto” que caracteriza a tomada de decisão de um grupo quando há a presença de ao menos um vegano∕vegetariano.

“A falta de alternativa de pratos que atendem esse consumidor pode levar que todo um grupo de pessoas optem por outro estabelecimento, que trabalha com um cardápio mais inclusivo”, lembra Julia Seibel, da EscolhaVeg.

Por fim, Julia lembra que o universo plant-based é muito amplo e com enorme abertura para inovação, que podem ser simples e fazer toda a diferença. “Temos desde alternativas super inovadoras, com hambúrgueres e outros análogos muito semelhantes às versões tradicionais, até soluções com ingredientes in natura e técnicas culinárias. A oferta disponível atualmente consegue entregar o que o consumidor busca seja indulgência, sabor, maior percepção de saúde e até mesmo preço acessível”, diz.

Reportagem originalmente publicada na edição 139 da revista Bares & Restaurantes

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