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Na multiplataforma digital foram traçados os perfis de 80 mil clientes e de 1,8 mil restaurantes, com foco em comportamento e tendências

Valerio Fabris

Até mesmo no setor da alimentação fora do lar, a intoxicação informativa desta era da hiperconectividade online - combinada com a emancipação individual e a diversidade nos estilos de vida - acabou gerando a necessidade de uma dupla curadoria. Ou seja, uma curadoria que, de um lado, oriente os consumidores na escolha do bar ou restaurante de acordo com o seu perfil psicossocial, e, do outro, também auxilie os donos dos estabelecimentos a terem um posicionamento de mercado de acordo com os traços comportamentais das clientelas almejadas.

Com base nesses pressupostos, o publicitário gaúcho Diego Fabris, de 37 anos de idade, em janeiro de 2019 começou a operar a startup Share Eat. Associou-se ao conterrâneo José Renato Hopf, 50 anos, co-fundador e diretor da 4all & Digital Entrepreuner, que alavancou o negócio com um investimento de R$ 1,5 milhão. O sócio-investidor tornou-se muito conhecido nos meios empresarias por ter fundado a credenciadora de cartões GetNet, que acabou vendendo ao Banco Santander.

A nascente Share Eat foi modelada como multiplataforma digital, cujo centro é o aplicativo (que pode ser baixado no Android e iPhone), em torno do qual gravitam o site e as conexões com o Facebook, WhatsApp e Instagram. Fabris diz que, até o mês de julho deste 2019, a plataforma havia sido visitada por cerca de 300 mil pessoas, sendo que 80 mil estavam cadastradas. Até então, a Share Eat tinha 1,8 mil restaurantes com informações e fotos referentes à especialidade e ao perfil da casa, e mais 5 mil já mapeados por experts.

Por meio do sistema da Share Eat, baseado em um grande volume de dados estruturados (big data) e inteligência artificial (processada por mecanismos computacionais), o consumidor pode se encaixar em determinado perfil psicossocial. A partir do estereótipo com o qual o usuário da plataforma se identifica, ele é capaz de - em no máximo 30 segundos - localizar as opções de endereços que correspondam à sua autoimagem. Com esse mosaico de tipos de pessoas e características dos estabelecimentos, Fabris fez um mapa que serve de instrumento para se casar as características do freguês com ambiente do bar ou restaurante, somando 40 personagens (ou variações de personalidade).

Os perfis de acordo com as motivações individuais

Entre os estereótipos incluídos no mapa (apelidado de mandala), há estes: o high society (quer alto nível), o impressionador (quer chamar a atenção), o pavão (gosta de aparecer), o VIP (busca exclusividade), o antissocial (prefere ser servido por máquinas), o desbravador (gosta de descobrir lugares, desdenhando os roteiros turísticos), os saudáveis (ligados à alimentação natural e à causa animal), os exigentes (não se importam em pagar mais; porém, querem os melhores produtos e serviços), os barulhentos (são ultra conectados, buscam status, visibilidade, novidades), os econômicos (gastam pouco, vão atrás de promoções, têm baixa fidelidade aos endereços), os práticos (querem agilidade, eficácia, usam aplicativos para tudo, adoram a curadoria, uma vez que buscam ajudas para guiar as suas escolhas).

Os perfis são declarados pelas próprias pessoas, quando acessam a plataforma. Elas respondem às várias questões que lhe são apresentadas na tela. Quando, por exemplo, indicam uma larga preferência pelo conforto e pela quietude do ambiente, podem estar se declarando – ou não – como pessoas de maior idade. “Há muita gente que busca isso, e que, não necessariamente se enquadra nas faixas etárias mais avançadas”, ressalva Fabris. O propósito contido no Share Eat não é, segundo ele, o de capturar dados relativos à renda, à idade ou nível de instrução. “A plataforma é voltada está focada em comportamento e tendências de mercado”, repetiu.

Fabris diz que o perfil pessoal dele mesmo pode ser, predominantemente, o de “explorador”. Em outras palavras, o daquele indivíduo que gosta de desbravar, seja indo a um bar pé sujo ou a um três estrelas, buscando muito mais a autenticidade do que o status. No entanto, depois de um fim de semana de excessos, na segunda-feira converte-se em um “saudável”. Ao viajar a negócio, torna-se um “prático”, priorizando a agilidade, a conveniência, a eficácia dos serviços.

A inteligência artificial capta essas mutações, modelando uma personalização flexível, de acordo com as indicações advindas dos diferentes momentos de interação do usuário com a plataforma. “Há duas formas de se captar a informação. Uma é o que o consumidor diz. A outra é o que ele faz. Pra gente, mais relevante é o que ele faz, e não o que ele diz”, pondera.

Nada se cobra dos bares e restaurantes; o propósito é o de ajudá-los

Considerando-se que o foco do Share Eat é o de comportamentos e tendências mercadológicas, não se pratica na plataforma qualquer forma de avaliação, seja com notas, comentários ou estrelas. Do mesmo modo, nada se cobra do restaurante. “Há muitos que se empenham em morder a margem do restaurante, seja o delivery, seja a maquininha dos cartões de crédito ou débito. O nosso propósito é unicamente o de ajudar o restaurante, o empresário do setor, e, também fornecendo os meios para que os consumidores qualifiquem suas escolhas, adequando-as às suas motivações”.

Duas frentes foram abertas no leque de atuação da Share Eat: uma é a curadoria de vinhos para os fregueses de supermercados; e a outra é a dos serviços digitais, direcionado e orientando os consumidores que recorrem aos deliveries e aos que realizam reservas nos restaurantes. “Onde a gente ganha dinheiro em escala é justamente nas transações digitais. O que são elas? Como consultor de vinho, eu levo o consumidor ao e-commerce e ao delivery. Também oferecemos pacotes turísticos na Serra Gaúcha. Ajudamos o turista a definir qual vinícola ele visitará. Se quiser comprar o pacote, clique e vá. A mesma coisa com o delivery. Em cada clique, a Share Eat ganha”.

O início da operação nacional da plataforma ocorreu na capital catarinense em janeiro. Desde então, a curadoria de clientes e estabelecimentos estendeu-se à Serra Gaúcha, a Porto Alegre, São Paulo e Punta del Este. “Até o final do ano, abriremos no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e Curitiba”, diz o CEO, ao informar que se cogita da ideia de uma segunda rodada na captação de investimentos, da ordem de R$ 2 milhões, com vistas ao prosseguimento do plano de expansão, tendo como horizonte um total de trinta regiões no Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa.

De onde veio o interesse por comportamento e tendências de mercado

A trajetória de Diego Fabris até o Share Eat teve origem em 2005, quando ele trabalhou como executivo de planejamento na agência de publicidade Escala, de Porto Alegre. Naquele ano, a Escala passou a contar com a consultoria do sociólogo holandês Carl Rohde, especialista em tendências de mercados, com foco no comportamento das pessoas e na evolução tecnológica. Posteriormente, em março de 2007, o publicitário tornou-se co-fundador, sócio e diretor de conteúdo do blog gaúcho Destemperados, e editor do caderno semanal de gastronomia no jornal Zero Hora. O blog deu origem à maior rede social de experiências gastronômicas do país.

Tendo como base a sua vivência profissional e a inovadora criação do Destemperados, o publicitário diz que aprofundou sua percepção de que, com o advento de um mundo hiperconectado, seria preciso filtrar e analisar as informações para que delas se visualizassem as tendências comportamentais dos consumidores. Mais do que ter acesso aos produtos e serviços, crescentemente se buscaria o envolvimento emocional das pessoas com os ambientes em que lhes eram ofertados.

A comunicação e a conexão humanas ganhariam uma relevância cada vez maior, em um contexto de concentração da população global nas cidades e, ainda, de conscientização geral acerca das ameaças pairando sobre a sustentabilidade do planeta. Embora Fabris reitere que a plataforma Share Eat não se atenha a estatísticas, mas a tendências comportamentais, uma vez que “a pesquisa olha para trás e a tendência olha para frente”, ele chama a atenção para algumas conclusões a que se pode chegar, a partir da evidência de que “somos regidos por dados, não por achismo”. Escorado nas mais elevadas incidências de cliques, ele observa que é acentuada a curva de crescimento dos consumidores que se identificam no perfil dos “saudáveis”, optando pela leveza e equilíbrio na alimentação e tendo um modo de vida que privilegie a saúde e o corpo.

Os “saudáveis” têm ficado em segundo lugar entre todas as clicagens. A liderança vem dos “localistas”, que colocam como condição número um para a escolha de um bar ou restaurante a proximidade de casa. “As pessoas querem, cada vez mais, frequentar os estabelecimentos que estão nos bairros delas, porque tem ficado muito difícil atravessar a cidade de um lugar a outro. O cara quer o que está em volta dele. Talvez possa até parecer até meio óbvio, mas o fato é que a nossa plataforma comprovou isso”.

Um mapeamento de tendências útil a clientes e empreendedores

Pedro Hoffmann, empresário gaúcho, esteve presente à palestra de Diego Fabris, o sócio e principal dirigente (‘head officer’) da Share Eat, realizada em Brasília, no dia 15 de agosto, como parte da programação do Congresso Abrasel, entidade em que ele integra o Conselho de Administração Nacional. Solicitado pela B&R a apontar os pontos que gostaria de comentar sobre a exposição do palestrante, mencionou três abordagens.

O primeiro comentário de Hoffmann refere-se à tendência de grande parcela dos consumidores em frequentar bares e restaurantes situados nas vizinhanças do bairro onde moram. O empresário e conselheiro da Abrasel também discorreu sobre a informação do palestrante de que se observa uma crescente adesão do público consumidor à alimentação saudável. Hoffmann também abordou o fato de que são as próprias pessoas, ao acessarem a plataforma do Share Eat, é que traçam seus comportamentos e tendências de consumo.


Estes são os três tópicos analisados por Hoffmann:


A preferência pelo bar ou restaurante mais perto de casa
“A gente nota que vem ocorrendo o crescimento do comércio de bairro em Porto Alegre e em várias cidades brasileiras, o que é muito favorável à melhoria da qualidade de vida urbana, como já se posicionou a Abrasel, em seu manifesto em favor da cidade viva, divulgado em 2005. E isso é agora é confirmado pela Share Eat, que tem como foco de atuação o estudo do comportamento dos consumidores e as tendências de mercado. Houve um grande espalhamento territorial das cidades, agravando o trânsito. E as pessoas se cansaram disso, preferindo o consumo nas redondezas de onde moram”.


Cada vez mais consumidores se veem no perfil dos ‘saudáveis’

“Vejo como uma acentuada tendência, mas em termos absolutos esses consumidores que já aderiram à alimentação natural, seja vegetariana ou vegana, até o momento ainda não representam um expressivo contingente. Caminha-se para que, em um futuro não muito distante, se tenha uma participação dos ‘saudáveis’ bem significativa, sobretudo nas novas gerações. Há outro fenômeno que também contribui para essa expansão, que é a extensa longevidade da população. À medida que a longevidade vai aumentando, mais pessoas acima de uma certa idade passam a buscar uma alimentação mais saudável”.


O público traça seu autorretrato e as tendências do mercado

“O Diego Fabris, co-fundador do Share Eat, estudou muito o comportamento dos consumidores e tendências de mercado, já acumulando uma larga experiência profissional nesses campos. O que se mostra, na plataforma, é o que as pessoas estão preferindo e aonde estão se dirigindo. Há uma segmentação de diversos públicos, que é muito interessante. O que se apresenta é resultado do que as próprias pessoas descrevem. Há critérios de avaliação da idoneidade da pessoa que comenta, para que não ocorram relatos fictícios. Para os donos de estabelecimentos do setor essa plataforma é extremamente útil, porque a partir dela podem redirecionar e adequar seus negócios, de acordo com as tendências que mais lhe convierem”.

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