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Pioneiro na indicação geográfica do vinho no país, o arranjo uniu elos: comunidade, empresas, universidades, Embrapa, Sebrae, área turística

Garibaldi, 1 13 km de Bento Gonçalves e a 110 km de Porto Alegre, tem 35 mil habitantes e é um do três municípios em que se situa o Vale dos Vinhedos

Valerio Fabris

O Vale dos Vinhedos tem 72 quilômetros quadrados. Representa uma fração de apenas 14% da área total destes três municípios em que se situa: Bento Gonçalves (274 km²), Garibaldi (168 km²) e Monte Belo do Sul (69 km²). Anualmente, mais de 30 vinícolas lá em atividade engarrafam cerca de 9,5 milhões de litros de vinho, correspondendo a 4% de total da produção do Rio Grande Sul. O que falta em expressão quantitativa a essa faixa de terra, na verdejante Serra Gaúcha, largamente sobra na exuberante qualidade do que se produz nas vinícolas e no turismo que gera.

É esta a conclusão a que se chega, a partir da entrevista que uma das maiores autoridades da enologia brasileira concedeu à Bares & Restaurante. Jaime Milan, além de enólogo com pós-graduação na França, é economista e consultor técnico da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos, a Aprovale. Nas brechas que consegue abrir em sua agenda, atende a convites de palestras, vindos de todas as partes do país, para falar sobre como e por que se estruturam projetos de Indicação de Procedência (IP) ou Denominação de Origem (DO) para quaisquer produtos, sejam espumantes, queijos ou uma determinada farinha de mandioca.

Na mesa comunitária, traçam-se as perspectivas do Vale dos Vinhedos e região

Ao ser indagado se, de fato, o Vale dos Vinhedos se tornou um espelho, uma referência na formação de arranjos produtivos da uva e do vinho, ele responde que sim. De acordo com seu relato, que se passou é que, em primeiro lugar, os donos das vinícolas se juntaram em 1995 para fundar uma associação, em Bento Gonçalves, a Aprovale. Mas, foi uma associação já contemplando os diversos vetores que se conectavam à vitivinicultura, a começar pelos hotéis, bares, restaurantes, agentes de turismo, produtores culturais.

Ao mesmo tempo, fez-se um enlace da associação com as instituições de ensino, pesquisa e de fomento ao empreendedorismo, entre eles a Embrapa, o Sebrae e a Escola Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia, localizada no campus de Bento Gonçalves do Instituto Federal de Educação e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IRS).

Os dirigentes da Aprovale (que hoje congrega 23 vinícolas e 40 empreendimentos dos setores correlatos, como os do turismo e da alimentação fora do lar) logo bateram às portas da Embrapa Uva e Vinho, sediada em Bento Gonçalves. Queriam saber como a Aprovale poderia inaugurar no Brasil um ato que é costumeiro na Europa, isto é, colar nas vinícolas do Vale dos Vinhedos os selos da indicação geográfica (isto é, tanto os de Indicação de Procedência quanto os de Denominação de Origem).

Em 2002, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu o reconhecimento, que se tornou o primeiro do gênero na história do vinho brasileiro. Em 2012, a Aprovale conseguiu um feito ainda maior: o selo de Denominação de Origem para as vinícolas associadas que se dispusessem a conquistá-lo. A IP trata da demarcação geográfica. A DO vai além do território, detalhadamente certificando fatores naturais e humanos relativos a todo o ciclo de produção, da uva nos parreirais ao armazenamento do vinho.

A Aprovale e o Vale dos Vinhedos acabaram irradiando esse foco tecnológico, científico, produtivo, comercial, comunitário, enoturístico e multissetorialmente inclusivo (no formato ‘cluster’) a outras regiões vitivinícolas do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Nordeste (Vale de São Francisco), que passaram a buscar as certificações e as conexões locais, tanto com o meio acadêmico quanto com as entidades classistas.A faixa da verdejante terra que percorre os três municípios, somando uma área de exíguos 72 km², transmutou-se em meta-síntese para as regiões brasileiras que buscam um destacado lugar dos seus vinhos nas gôndolas dos supermercado ou da delicatessens.

“A gente não pode, de forma alguma, achar que o vinho gaúcho se resume ao Vale dos Vinhedos. Penso, sim, que o Vale dos Vinhedos é o cartão postal, é o âmago de uma região da Serra Gaúcha, com seus mais de 30 municípios, que se notabilizam pela produção vinho de alta qualidade e de um turismo bastante evoluído. Temos, aqui na Serra Gaúcha, outras regiões que se distinguem muito bem, ainda que com uma pequena produção, como é o caso do município de Pinto Bandeira. Há outros destaques, como o de Farroupilha, que tem uma Indicação Geográfica dos excepcionais vinhos baseados nas variedades moscateis. E, do mesmo modo, essa alta qualidade se estende a vinícolas e produtores de espumantes em Altos Montes, Monte Belo, Garibaldi, Bento Gonçalves e Flores da Cunha”.

O enoturismo qualifica ainda mais o marketing do maior polo moveleiro nacional

O consultor técnico da Aprovale chama a atenção para o fato de que toda a economia da Serra Gaúcha acaba lucrando com o elevado status de qualidade dos vinhos regionais. O maior polo moveleiro nacional é o de Bento Gonçalves, que a cada dois anos realiza a principal feira de móveis da América Latina, a MovelSul Brasil, com 250 estandes e 30 mil visitantes de 50 países, entre os quais lojistas e distribuidores. O evento é realizado com o apoio a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex)

Nas campanhas publicitárias de divulgação da grandiosa feira, estabelece-se uma relação entre a qualidade dos móveis ao maior e melhor destino do enoturismo brasileiro, o seu ambiente “colobarativo e inovador”, em meio à beleza de suas paisagens, que inspiram a arte do design das linhas de dormitórios, cozinhas ou escritórios. A MovelSul Brasil é realizada desde 1977 no Parque de Eventos de Bento Gonçalves.

Jaime Milan acentua que as atrações da vitivinicultura e do enoturismo e a presença local de um vasto número de empresas de inserção nacional e global põem em permanente giro um intercâmbio de “ganha-ganha” para os múltiplos participantes do imenso arranjo produtivo que se formou nessa região da Serra Gaúcha. Ao lado do maior polo moveleiro do país, está a Tramontina, a empresa de maior projeção do Rio Grande do Sul no Brasil e no exterior, sediada na cidade Carlos Barbosa, a 17 quilômetros de Bento Gonçalves.

Fundada em 1911 por uma família de imigrantes italianos, a Tramontina produz 18 mil itens nos segmentos de utilidades domésticas, ferramentas de agricultura, jardinagem, materiais elétricos, móveis de madeira e plástico, equipamentos para cozinha (fornos, coifas e cooktops, que, segundo o dicionário Michaelis são fogões de mesa, elétrico ou a gás, geralmente com cinco queimadores, instalado sobre uma bancada). Tem 8 mil funcionários e exporta para 120 países.

“A Tramontina é uma permanente parceira, que está sempre apoiando as iniciativas comunitárias e negócios da região, do mesmo modo que assim também é a indústria moveleira. Como o vinho atrai levas de visitantes a Bento Gonçalves e região, as próprias indústrias moveleiras abriram e mantêm showrooms no Vale dos Vinhedos, na área geográfica do Hotel Dall’Onder, onde estão localizados muitos restaurantes. E assim se tem, em toda a região, o tempo todo, um festival de novidades”, diz o enólogo e consultor técnico da Aprovale.

O que levou o Vale dos Vinhedos a se tornar a síntese de um polo de desenvolvimento

Em 1995, meia dúzia de empreendedores do setor vitivinícola resolveu criar em Bento Gonçalves a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). A primeira providência deles foi recorrer à Embrapa Uva e Vinhos, sediada na mesma cidade, com vistas a se formalizar a Identificação de Procedência (IPI) de suas vinícolas, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). Passados sete anos, o Vale dos Vinhedos tornou-se a primeira região brasileira a receber o selo de indicação geográfica de vinhos, que foi concedido em 2002.

Os seis cofundadores da Aprovale fizeram do Vale dos Vinhedos o ponto de inflexão da vitivinicultura nacional. O selo de identificação geográfica em uma garrafa de vinho ou espumante agrega valor ao produto, dando-se confiança ao consumidor contra as possibilidades de fraude ou adulterações. “Esse grupo de empresários foi o primeiro, no país, a assimilar e colocar em prática a noção do território vinícola”, diz Jorge Tonietto, considerado um dos mais destacados especialistas internacionais na elaboração de projetos de indicações geográficas e denominações de origem.

Ele é pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, instituição que, a partir de Bento Gonçalves, atende o país inteiro. Agrônomo, com mestrado em fruticultura de clima temperado, e doutorado em Biologia da Evolução e Ecologia, pela École Nationale Supérieure Agronomique de Montpellier, ele já realizou expedições a áreas de uva e vinho de 30 países. “A gente teve sorte em trabalhar com esse pessoal do Vale dos Vinhedos, porque são individualmente portadores de conteúdo e de um grande dinamismo, com foco na qualidade e na visibilidade”.

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