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Por Paula Antonacci

Shin Suzuran, Tambaqui de Banda e Biatuwi. Entenda como esses três negócios garantem seu lugar no roteiro do turismo gastronômico do Amazonas.


Elisângela Valle e dois pratos do restaurante: a moqueca cabocla - feita com cubos de pirarucu levemente salmorados, banana pacovã, abóbora e maxixe assados na brasa e refogados no óleo de urucum e leite de castanha do Pará e o Tambaqui de banda assado na brasa, fotografado com o fundo do famoso Teatro Amazonas

O turismo gastronômico é uma das maneiras de conhecer a história e a cultura de um lugar. Segundo a Organização Mundial de Turismo (OMT), a gastronomia é o terceiro maior impulsionador de viagens e o Amazonas, maior estado brasileiro, faz valer toda sua magnitude também nesse aspecto.

A vasta extensão territorial, o distanciamento de outras regiões brasileiras e a proximidade com outros países da America Latina, faz com que esse território seja um berço de grandes descobertas e aprendizados para a gastronomia nacional. Nesse contexto, ter seu restaurante como uma das indicações de parada obrigatória para quem visita a região é um privilégio e tanto.

Quem vai à Manaus, certamente vai passar pelo majestoso teatro Amazonas. Bem ali ao lado, está o Tambaqui de Banda, que há 10 anos cumpre a importante missão de trazer as técnicas, insumos e aprendizados de cidades e vilarejos do interior do estado para a capital amazonense.

Apesar de ter investido no restaurante com o intuito de ter uma fonte de renda constante e com um empreendimento em que pudesse aplicar todos os aprendizados da formação em gestão de projetos, Elisângela Vale, proprietária e fundadora do restaurante, não imaginava o quanto sua atuação anterior, em projetos de pesquisa e inovação, seria fundamental para o sucesso do seu negócio. O cardápio do Tambaqui de Banda foi formado inicialmente pela comida cabocla a mistura entre a cultura dos brancos e indígenas.

Elisângela explica que uma das grandes diferenças é que a comida puramente indígena, do norte brasileiro, não leva quase nenhum tempero, como os nossos tradicionais pimentão, cebola e cheiro verde. O tempero indígena é basicamente a pimenta, e em algumas comunidades, o sal. Hoje, o cardápio já contempla receitas tipicamente indígenas e de outras comunidades características do interior do Amazonas.

Cada receita do Tambaqui tem um contexto nas raízes amazonenses e é feito um trabalho para que toda a equipe saiba contar as histórias dos pratos. No entanto, mais que encantar com o sabor e o bom atendimento, Elisângela defende a importância dos restaurantes como disseminadores de diferentes cadeias produtivas.

“Os restaurantes são a vitrine do agricultor, do artesão, do indígena, então a gente pode explorar mais isso e não só vender sabor. Comida boa e atendimento bom é uma obrigação, não um diferencial. O diferencial está em uma informação, em um contexto que você vai dar e na experiência que você vai causar”, por isso também investem na música e na decoração característica da região, explica. E quem acha que o Tambaqui é só para turistas, está enganado. O objetivo é que a população local também busque conhecer melhor e valorizar a cultura amazonense.

Expedições, pesquisas e treinamentos

Para de fato representar a gastronomia amazonense, região composta por 62 municípios, a empresária percebeu a necessidade de conhecer outros municípios e começou a fazer expedições pelo interior do estado. E para chegar à cultura indigena, nada melhor que o município de São Gabriel da Cachoeira, onde se concentra a maior população indígena do Brasil.

Por lá, Elisângela apoiou a produção de um documentário sobre a cultura alimentar indígena e os estudos das propriedades da formiga Saúva ou Maniuara que será utilizada para fortificação de massas e pães, devido à riqueza de suas propriedades químicas.

No município, ela também atuou com a capacitação de indígenas para se prepararem para o turismo. “É um projeto sustentável porque busca formas para a comunidade indígena se manter em seus lugares de origem e valorizar suas raízes”, conta.

A chef chama a atenção para a importância de estudar os alimentos e suas composições químicas. “Nas comunidades indígenas, existe um trabalho de purificação e preparação das pessoas para receberem os alimentos, mas fora de lá a população é mais suscetível à alergias e quem trabalha com restaurantes tem que ter muita responsabilidade com o que está oferecendo”, reforça, mostrando que as pesquisas são essenciais para apoiar os bares e restaurantes e dar o respaldo do que podem oferecer, a quem e em qual quantidade.

Foi de São Gabriel da Cachoeira que ela trouxe conhecimentos valiosos para o seu negócio, como por exemplo, o fato de que quem é alérgico a frutos do mar, também não pode comer formiga, já que o inseto tem presença de quitina em sua composição, assim como os frutos do mar.

Para Elisângela, disseminar esse conhecimento para outros empreendedores e fortalecer práticas do associativismo é essencial. “O Peru se destacou na gastronomia porque lá se encontram vários restaurantes que estão entre os melhores da América Latina e vi muito esse processo do colaborativismo quando estive lá. Ninguém vem pra cá para ir só em um restaurante”, manifesta reforçando que um roteiro com vários restaurantes, se torna mais atrativo aos turistas. “Um pode representar nossa cultura pela pizza, o outro pelo pescado. Tem espaço para todos”, conclui.

Foi com esse pensamento que ela também passou a dar treinamentos e planejar outras expedições que contemplem também a ida de outros empresários para o interior de Manaus. A próxima expedição é em janeiro de 2022 e os interessados podem procurar a Abrasel no Amazonas para mais informações.

Para completar, Elisângela explica que um dos pilares do sucesso do Tambaqui é a busca por inovação. “Somos concorrentes de nós mesmos. Estamos sempre buscando melhorar. Mal acabamos de lançar uma coisa e já estamos pensando na próxima”. E essa energia contagia também a equipe do restaurante.

Durante a visita da Bares & Restaurantes ao estabelecimento foi apresentada uma das novidades da casa: uma adaptação do tradicional drink Moscow Mule, feito com xarope de formiga saúva, criação de um dos colaboradores da casa.

Dona Clarinda e João Paulo Barreto, co-fundadores do Biatuwi

Conhecimento direto da fonte

Para quem quer conhecer mais especificamente a gastronomia indígena, a segunda parada obrigatória em Manaus é o Biatuwi, o primeiro restaurante autenticamente indigena do País, instaurado no espaço batizado como “a casa de comida indígena”, que abriga também um centro de medicina e tem como objetivo “nutrir corpo e alma”.

Peixe puquecado - filé de tambaqui assado na folha de cacau; beiju; molho de pimenta defumada; mix de pimentas defumadas e formigas sahai

Inaugurado em 2020, por João Paulo Barreto e Clarinda Ramos, em sociedade com a empresária Debora Shornik, o Biatuwi conta com uma equipe formada por representantes de duas etnias locais: a Sateré-mawé, do baixo Amazonas e a Tukano, do Alto Rio Negro e procura desmistificar alguns estigmas que parte da sociedade carrega.

“Nós víamos a comida indígena em algumas feiras de rua fortalecendo uma ideia errada de baixa higiene e pouco cuidado com o nosso preparo de alimentos. Vimos com o restaurante uma oportunidade de ensinar sobre a nossa cultura por meio da comida, da forma correta”, explica João Paulo.

Matrinchã com molho de pimenta defumada; mix de pimentas defumadas, formigas sahai e farinha do uarini

O encontro dos sócios foi essencial para fazer com que esse empreendimento desse certo. O conhecimento das técnicas e ingredientes indígenas de Dona Clarinda, aliado à vontade de fazer acontecer e à experiência em ensinar de João Paulo, precisavam se somar à experiência em gestão de negócios de Debora.

E quem visita à casa já se depara com muito conhecimento logo na entrada, com um grande calendário constelar indígena desenhado na parede, que enfatiza certos fenômenos e ciclos biológicos que influenciam diversas decisões ligadas à alimentação, como o ciclo das águas, o ciclo de vida dos peixes e o calendário agrícola.

Da cozinha, o espaço oferece pratos ícones da culinária indígena, como a Quinhapira, caldo de peixe em água, sal e pimenta defumada, o tucupi, o beiju e o tarubá, bebida tradicional feita com fermento de mandioca.

Para Dona Clarinda, o restaurante representou uma superação de todos os preconceitos vivenciados: “o Biatuwi deu coragem pra gente, veio carimbar que não desistimos, que estamos aqui, mesmo após anos ouvindo outras pessoas falarem da nossa cultura sempre com palavras negativas e pejorativas”, expõe.

Além de concordar, Debora complementa a visão de Clarinda chamando a atenção dos empresários e deixando a visão “romantizada” de lado: “A gastronomia tem potencial sim para impulsionar a cultura indígena, mas depende muito de quem vai fazer. É importante que seja feito por eles. Imagina se sou eu que vou apresentar o tucupi para outras pessoas? Podemos ser a ponte para que isso aconteça”, fortalece deixando claro seu próprio exemplo.

Para João Paulo, alimentação é saúde e a comunidade indígena tem muito conhecimento a transmitir sobre isso, falta apenas o dinheiro, por isso é importante que as pessoas viajem para o norte e façam esse intercâmbio cultural. “Nós vivemos todos esses anos só baseados nas nossas técnicas, sem nenhuma tecnologia. As pessoas que vierem aqui vão provar isso, viver isso, ouvir a nossa história”, reflete.

O encontro da cultura japonesa com ingredientes Manauara

Uma coisa é certa: quem vai ao Amazonas encontra uma grande oferta para consumo de peixes, mas será que as pes oas esperam experimentar essa variedade no cardápio japonês? Graças a família do chef Hiroya Takano, há mais de 15 anos isso é possível.

Apesar dessa mescla entre a culinária japonesa e manauara não ter sido desde o princípio, o Shin Suzuran, nome dado ao estabelecimento da família, já se destacava na cidade por ser o primeiro restaurante japonês da capital do Amazonas.

Chef Hiroya Takano

Hiroya conta que na década de 70, muitos japoneses vinham à Manaus para trabalhar nas indústrias locais, que se expandiram devido à zona franca da cidade e que os trabalhadores não tinham onde comer, pelo menos não o que estavam acostumados.

“Meu pai, muito visionário, vendo aquilo, disse vou abrir um restaurante japonês para atender o pessoal do setor industrial “. E assim zeram, em 1978. A família começou vendendo a comida para as empresas por “obentô”, como os japoneses chamam a nossa tradicional marmita, por intermédio dos diretores japoneses.

No início, o restaurante teve muita diculdade para contratação de cozinheiros. A mão de obra especializada vinha de São Paulo mas, de acordo com Hiroya conta que o Festival Brasil Sabor, iniciativa nacional da Abrasel para movimentar as vendas e valorizar ingredientes e modos de preparos locais de diferentes regiões do Brasil, foi o grande divisor de águas para que ele inserisse de vez os peixes e outros ingredientes locais em seu cardápio.

“No começo nós só usávamos o pirarucu, tucunaré e o pescado para fazer chapa ou à milanesa, mas isso mudou em 2006, quando teve o primeiro Brasil Sabor e criamos o sushi amazônico”, explica o empresário mencionando o prato que até hoje é um dos queridinhos no cardápio.

Prato: Matrinchã com missô e castanha do Brasil, do Shin Suzuran, com técnica japonesa de salga. Composto de missô com castanha do Brasil e com flores e folhas amazônicas

Em 2015, durante a realização da 1a FIGA - Feira Internacional de Gastronomia Amazônica, aconteceu o encontro entre Hiroya e o biólogo e pesquisador Vaudely Knupp, que proporcionou também o melhor entendimento e valorização do restaurante sobre o uso das pacs - plantas alimentícias não convencionais - como a folha de urtiga e a própria vitória régia.

Embora o restaurante tenha inovado e se adaptado às descobertas da culinária amazonense ao longo dos anos, Hiroya é enfático ao afirmar que ele precisa também manter os pratos do cardápio original, que são ofertados no restaurante desde o seu início, já que a casa recebe clientes que são clientes há mais de 40 anos e fazem questão dessa memória afetiva.

Para aqueles que estão começando a empreender no setor, Horoya entende que duas coisas são fundamentais: saber fazer as receitas e manter a personalidade do negócio.

“Estão sempre aparecendo novos ingredientes na arte da culinária. Você pode e precisa inovar, mas não pode mudar o seu alicerce, tem que manter uma personalidade. E se você também não souber fazer, o funcionário vai fazer o prato dele. E o funcionário muda, mas a comida não pode mudar”, afirma o empresário.

Prato: Pirarucu fabuloso, do Shin Suzuran, feito com técnica francesa, produto regional e tempero japonês. Composto do pirarucu recheado com legumes e manteiga de tucumã , salada panc, batata palha e gohan

Com todos esses aprendizados e exemplos de negócios de sucesso, uma coisa é certa: quem empreende no setor de alimentação fora do lar ganha muita bagagem ao conhecer o norte do País, suas possibilidades e ensinamentos para agregar à nossa gastronomia brasileira.

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