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Por Paula Antonacci

Crédito: Tomas Rangel

A receita da chef é uma mistura de personalidade carioca, crenças africanas e instinto acadêmico para a criação do conceito “pretopolitana” – isso faz o sucesso do meza bar

Conhecer a cozinha de Andressa Cabral é conhecer valores para além dos da culinária. A chef, carioca da gema, reúne sua paixão pela gastronomia com significados maiores, de respeito à terra, às raças, às culturas e até mesmo à ciência aplicada para o desenvolvimento de estímulos sensoriais. Tempero que tem dado certo há mais de 15 anos, não só no Meza Bar que é chef e sócia no Rio de Janeiro, mas também em todas as suas linhas de atuação: sala de aula, escrita e como jurada do programa Sabor em Jogo.

Quem vê a fama de Andressa e sua dedicação no cenário gastronômico, não imagina que antes da dólmã, o seu gingado era vestindo um jaleco de médica. Sim, ela largou um dos cursos mais cobiçados no quinto ano para seguir um caminho que lhe despertava o interesse desde criança. “Cozinho com a minha mãe e avó desde os sete anos. As reuniões de família sempre foram em torno da cozinha e tem muita influência da minha religiosidade também. A gente faz comida porque está feliz, porque está triste, faz comida para dar para os deuses, para dar para as pessoas”, explica.

Da matriz africana do Candomblé, a empresária também traz consigo o respeito pela natureza e por isso defende o uso consciente e responsável dos alimentos. No cardápio do Meza, Andressa mostra toda sua criatividade desenvolvendo receitas extremamente originais, aliando aproveitamento e sofisticação, utilizando ingredientes em pratos e bebidas que muita gente não pensaria em combinar. Por exemplo, você já pensou em fazer um drink com beterraba e wasabi, a conhecida “raiz forte” japonesa? Ou usar gim e pequi na maionese?

“O universo de buscar outras alternativas eu acho que sempre esteve ao meu redor mas quando fui estudar desing thinking que consegui materializar essa relação com outras possibilidades”, complementa lembrando que o fato de ser uma mulher negra, que não corresponderia ao “fenótipo” comum das pessoas de sucesso na gastronomia também contribuiu para isso.

A relação com a produção também vem desde nova. “Minha vó e minha mãe lideraram uma ação com a comunidade local de Santa Teresa (bairro boêmio do Rio de Janeiro) para capinar um terreno e as pessoas plantavam nesse lote. Eu percebi tentando entender minha história, que esse processo da terra ao descarte começa muito cedo na minha vida”.

Goias Velho (Costelinha Confit, Arroz da Terra, Farofa de Couve, Chips de Jiló, Picles de Beterraba) e Mumbai (Dahl de lentilhas, arroz de mostarda, Pakora de berinjela, Espinafre Cítrico, Batata doce caramelizada) - Créditos André Rodrigues

Design thinking na gastronomia

O design thinking é um campo de conhecimento para organizar o processo criativo e propor soluções para problemas, que nos últimos anos, passou a aparecer mais frequentemente dentro das empresas.Dentre as principais ferramentas está a construção de mapas mentais, onde fazemos ligações entre conceitos e sensações; os brainstorms coletivos, ou seja, “tempestade de ideias”, que consistem em dinâmicas de grupos para o compartilhamento de possíveis soluções,sem nenhum julgamento, e o processo de cocriação com clientes.

Ao buscar por uma metodologia que funcionasse no setor gastronômico, Andressa adotou o design thinking e levou não só para o Meza mas para dentro da sala de aula. “Eu entendo a gastronomia como um setor da economia criativa. Acho que o design thinking vem para promover o entendimento que o desenvolvimento de um produto, de uma experiência gastronômica, requer método e protocolos”, defende a chef, ponderando que a gastronomia ensina elementos técnicos mas ainda não vê a criação como uma aptidão técnica.

“Até para jogar futebol. O bom jogador realmente vem com um talento inato mas ele precisa malhar, treinar, observar e repetir os movimentos. Eu mergulhei nisso e hoje trago para a sala de aula uma metodologia que eu desenvolvi e que desmitifica um pouco o processo criativo”, defende Andressa, que há mais de quatro anos dá aula na Univeritas-RJ. Ela discorda que o estímulo ao sensorial na criação dos pratos seja feito de forma intuitiva. “Se quero que meu cliente sinta, a partir da junção de um prato com um coquetel, o que é um passeio no Rio de Janeiro em uma tarde de sol, preciso usar minhas ferramentas técnicas e não só contar uma história estanque. Quem ainda está fazendo gastronomia dessa maneira está dormindo no ponto, porque nosso arsenal se esgota”, complementa.

Ela explica que os alunos trabalham em grupos, criando um mapa sensorial a partir do conceito de cada prato. “Ao final, passamos a utilizar os ingredientes que surgem no mapa através dos exercícios e somente a partir destes ingredientes é que desenvolvemos os pratos. Primeiro o conceito, depois as sensações que desejamos provocar nos clientes, depois os ingredientes e, por fim, as receitas surgem”. Tudo isso entremeado de muita pesquisa, pareamento de sabores,estudo e aplicação de técnicas e muitos testes, de acordo com a professora.

A toque da identidade "pretopolita" no Meza Bar

Quando questionada sobre qual seria sua maior identidade no cenário gastronômico, Andressa é segura ao fortalecer um novo conceito: “pretopolita”. “É bem marcante eu ser a única cozinheira preta de cozinha afro-centrada autoral, focada nas origens pretas sem fazer comida típica ou cozinha africana. Me considero uma mulher ‘pretopolita’, pretocentrada e cosmopolita. Vivo uma vida que tem um olhar no mundo e visito muito as minhas raízes”, explica.

Como pesquisadora, Andressa também investe em desvendar e entender o caminho do comportamento humano e das preferências de consumo. “Minha ideia não é entender o que vai estar na moda daqui a dois meses, mas para onde o mundo vai estar olhando na virada de estação no ano seguinte”, conta. E é esse tato, essa fome de estudo por novas tendências da chef, que ajuda a fortalecer o ar cosmopolita do Meza, mesmo num bairro tão tradicional e boêmio como Santa Teresa, bem como a denominada cozinha “glocal”, que trata muito das localidades sem perder o olho no mundo. O próprio cardápio do bar é desenvolvido e lançado em coleções, como no mercado da moda, e traz a coleção “álbum de viagens” com nomes de pratos que remetem às mais diferentes regiões, como “goiás velho”, “cartagena”, “arequipa” e “luanda”. Mas se engana quem pensa que são apenas comidas típicas, a magia está em trazer a sensorialidade que esses lugares despertam, é transformar histórias em novas receitas.

E a vontade de trazer experiências do mundo para o Rio de Janeiro, veio antes mesmo de Andressa firmar sociedade na casa, sendo um dos pontapés do Meza, dado pelo sócio-fundador, Fernando Blower, em 2008, ao perceber uma oportunidade de mercado, carente na cidade maravilhosa. “O Fernando viajava muito e não via essa cultura de coquetelaria no Rio e arriscou. Hoje nossa proposta de valor está muito ligada a uma oferta de serviço que tem uma alma de casa, você consegue fazer um consumo de extrema qualidade, tendo um momento gostoso e descontraído como o Rio de Janeiro”, defenda a chef, que descreve o ambiente com um orgulho e firmeza, de forma contagiante.

E não é para menos, quem chega no Meza vê uma grande sala de estar com espaços mais descontraídos, um banco de jacarandá, um grande sofá onde os clientes podem tirar os sapatos e ficar mais confortáveis. Tudo isso podendo experimentar a vasta carta de drinks, caracterizada pela coquetelaria “tropical pop”, com tons mais refrescantes e voltados para o cítrico.

"E acho que é isso que faz o sucesso do Meza, essa alma verdadeira que conseguirmos criar, que vai além de mim e do Fernando, essa representatividade do Rio de Janeiro", constata Andressa.

Ambiente e Cafuné ( Cachaça Werneck com infusão de coco fresco, chá de melissa, Rapadura, Bitters de Laranja) - Créditos André Rodrigues

Felicidade x Produtividade

Em sua participação no 32º Congresso Nacional Abrasel, Andressa citou o índice de felicidade como um dos indicadores de produtividade dos negócios. Essa premissa veio de um trabalho acadêmico realizado em 2015, incentivado pela existência do Índice de Felicidade Bruta do Botão. “Pensei: se dá para medir um desenvolvimento de um país para além dos aspectos econômicos, consigo fazer isso no meu negócio”, conta a empresária.

Para ela, a valorização do funcionário está além das relações financeiras, estimulando a produtividade com premiações tanto na área do investimento profissional, como cursos e equipamentos, como de experiências de vida, como vôo de asa delta e passeio de helicóptero. “A minha equipe é mais jovem. Os millennials valorizam as empresas que deixam eles mais tranquilos, onde possam oferecer mais opiniões ou testar outras habilidades, são relações mais fluidas que não sejam só centralizadas em torno da moeda”, defende.

Além das premiações, os nomes dos cargos também são criados para valorizar a equipe. “Não tenho uma hostess, tenho uma encantadora de clientes. Pessoas não são máquinas, elas não precisam de um combustível só, mas se eu tiver que apostar em um combustível vai ser na felicidade”, conclui.

Maternidade

O olhar de Andressa sobre a conciliação de suas vastas atividades com a maternidade vai além da dedicação de tempo, é uma responsabilidade com o que suas ações profissionais afetam a criança Valentina, de 11 anos, e a futura mulher que ela será. Ao mesmo tempo, é uma mola propulsora para seguir em frente. “Mais do que um boleto chegando, é uma responsabilidade permanente de uma pessoa que depende de mim para sua formação. Quem eu sou profissionalmente impacta para quem essa mulher vai ser, ela precisa responder por minha ações profissionais muitas vezes, se ganho um prêmio, se saio no jornal, ela precisa aprender a lidar com isso”, explica.

Para equilibrar todas as atividades, a filha muitas vezes entra na brincadeira de assistente e produtora, cuidando do cenário das lives; do figurino; da maquiagem; filmagem e até curadoria de conteúdo. “Os paradigmas profissionais tem que dar conta da complexidade do ser, não dá para ficar setorizando as pessoas e a Valentina, considerando a Andressa como corpo pensante ela está dentro do meu coração, como os batimentos que vão irrigando esse grande complexo pensante que é a mãe dela ”, finaliza.

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