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O Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou a Lei 9.964/2000 que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (Refis) prevendo o pagamento parcelado de dívidas contraídas por empresas junto à Fazenda Nacional até o ano 2.000. Dezenas de milhares de devedoras decidiram aceitar os termos e demais condições impostas pelo Fisco e pediram o parcelamento, e, uma vez aceita e homologada a proposta, passaram a pagar conforme o acordado.

Mais de uma década passada, a Fazenda Nacional concluiu que os pagamentos eram irrisórios e, por consequência, incapazes de amortizar a dívida, eis que com a incidência de juros e correção, elas cresciam de valor. Dessa forma, a Fazenda, por meio da PGFN, concluiu que pode excluir as empresas do Refis, mesmo que paguem corretamente, por estarem numa situação equivalente a de inadimplência, infringindo o art 5º, inciso II, da Lei 9.964/2000. E, de fato, passou a excluir milhares delas.

Muitas destas foram ao Judiciário argumentando que o dispositivo legal apontado não incidia no caso, pois estavam adimplentes, e que havia acordo homologado, com condições impostas por lei e admitidas pela própria Fazenda Nacional, ao qual as empresas apenas aderiram.

Num primeiro momento, o STJ não acolheu os argumentos do ente fazendário, pois o reconhecimento dos pagamentos como irrisórios exigia reexame das provas, o que é vedado pela Súmula n° 7 do mesmo Tribunal, além de ser o acordo ato jurídico perfeito, no qual as empresas eram apenas aderentes. Assim, o acordo não era uma benesse (outra alegação da Fazenda), mas um benefício legal, que foi firmado de boa-fé, caracterizando a segurança jurídica.

E podem-se adicionar argumento de que há força vinculante nos contratos, onde a decisão de exclusão poderia ser questionada pela preclusão, prescrição e decadência, que inexistiu processo administrativo com direito de defesa das excluídas.

No entanto, levada novamente a discussão ao STJ, este veio a alterar o seu entendimento e concordou com a Fazenda, reconhecendo os pagamentos como insuficientes para amortizar as dívidas, e que, portanto, não há irregularidades na exclusão, tendo em vista a referida Lei 9.964. A insuficiência dos pagamentos, como defendia a Fazenda, equivalia à inadimplência.

Ante a repercussão deste segundo entendimento, que passou a prevalecer, a Ordem dos Advogados do Brasil, ajuizou recentemente ação declaratória de constitucionalidade (ADC n° 77) para declarar constitucional referida lei do Refis e consequentemente os acordos. Ainda não há resultado e o julgamento poderá demorar anos, especialmente ante a ameaça de muitos incêndios jurídicos em 2022, ano eleitoral, provocados pelos que não se conformam com normas comezinhas da convivência democrática.

Mesmo que o STF confirme a decisão do STJ, ou mesmo para evitar problemas até a decisão final do STF, as empresas excluídas poderão, com base no acordo abaixo referido, paralisar as cobranças da Fazenda e obrigá-la à renegociação das dívidas e a manutenção das empresas no Refis.

Uma das empresas excluídas por esse motivo foi a fabricante da cachaça Pitú. Esta devia R$ 116 milhões em 31/12/2000, teve seus pagamentos parcelados considerados pela Fazenda como sendo irrisórios. Sua exclusão se deu em 2014 e foi confirmada pelo STJ após longa batalha judicial.

Em 2020, a empresa firmou acordo com a Receita, concordando em aumentar as parcelas mensais que pagava, de R$ 234 mil para R$ 480 mil. Teria, então, 25 anos para saldar o débito. A Pitú peticionou no processo no qual teve sua exclusão confirmada pelo STJ, juntando o acordo, e os ministros concordaram com a sua manutenção no Refis. Assim, a empresa foi reintegrada ao programa de recuperação fiscal.

Portanto, se uma empresa teve esse direito reconhecido, por que não as demais na mesma situação, aumentando as parcelas na mesma proporção do aceito pela Fazenda para com a Pitú?

Pode haver outros acordos, mas entendo que este único já é suficiente para todas as empresas excluídas pedirem no Judiciário a renegociação dessas dívidas, aumentando na mesma proporção (percentualmente em relação ao valor da dívida que tem com a Fazenda) da Pitú o valor das parcelas, e então serem reincluídas no Refis.

Podem, inclusive, pleitear antecipação de tutela para a manutenção ou o retorno imediato ao Refis e a paralisação das cobranças fiscais até o final da ação. Esses pedidos têm por fundamento os princípios constitucionais da isonomia, razoabilidade e proporcionalidade.

Mas há outros fundamentos. Evidente que isso não só supera a objeção colocada pela Receita como está muito mais coerente com o objetivo da lei aprovada: pagamento do valor da dívida, sobrevivência e legalidade das empresas, a saúde da economia, tão debilitada e a preservação dos empregos. Não é pouco.

*Percival Maricato é Advogado e Conselheiro da Abrasel em São Paulo.

Publicado originalmente no Diário do Comércio

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